domingo, 2 de fevereiro de 2014

Beija! Beija!

Já há alguns dias me coloquei a pensar em como esse planeta abriga realidades tão diversas. Esses dias, conversava com uma amiga que me falava das atrocidades resultantes de um conflito que atinge uma determinada região na África onde ela se encontra nesse momento. Atrocidades essas que também já me foram familiares quando andei ali por perto.
Logo aprendi que os detalhes são incômodos demais para quem teve a sorte de nascer em algum outro canto do mundo onde a cor do vestido da princesa é assunto de destaque dentro de notíciarios televisivos que tão raramente mencionam o imensurável sofrimento humano acontecendo milhares e milhares de quilômetros longe de suas TVs.
Aprendi também a respeitar isso. Até porque eu mesma só pude entrar em contato com tal realidade estando lá para ver e se eu passasse o tempo falando do que acontece com vítimas de grupos armados, algumas vezes dirigidos por pessoas cuja sanidade mental é questionável, provavelmente logo iriam me achar uma chata militante por um mundo melhor e deixar de me chamar para tomar uma cervejinha. E estando aqui,  a gente aproveita para viver e curtir outras coisas e para não passar pelo que passou o mocinho da história do Mito da Caverna de Platão.
Mas o interessante disso tudo é constatar que ignora-se, ou talvez se é levado a ignorar o fato de que uma boa parte do planeta é povoada por gente que perde casa, perna, braço, filhos, a dignidade.  Assuntos assim que com alguma sorte ganham alguns segundos rápidos na midia.
Não há portanto, muito espaço para proporcionar grandes debates populares sobre as guerras, conflítos em geral e outras ações do tipo humano CONTRA humano. Muitas são “justificadas” por diferenças étnicas, religiosas e políticas.
Por outro lado, quando se trata de humano COM humano, em especial quando essa unidade se manifesta em humanos que segundo uma categoria determinada por outros humanos, que por sua vez, justificam sua opinião baseada em fatores bem parecidos com os que geram os conflitos, o debate é bem mais intenso.
Há anos é que se espera que a emissora mais poderosa do país transmita em cadeia nacional, para milhões de telespectadores, o beijo entre dois seres humanos que, para alguns, não deviam estar juntos.
A cena da novela virou marco histório na TV brasileira. Que bom, fiquei realmente feliz e até gritei e aplaudi. O que me intriga e talvez sempre me intrigará é o porquê de tanta preocupação com o amor gay num planeta onde pessoas se matam o tempo todo? Amor é amor, pô! Como preocupar-se com duas pessoas que estão ali bem, tranquilas, trabalhando e pagando seus impostos enquanto o resto da humanidade ainda garante assunto para o programa do Datena e o bolso cheio dos senhores da indústria bélica?
Ao menos agora, quando eu tiver vontade de contar um pouquinho do que vi em outros pontos do planeta, é so esperar aparecer a primeira criatura com algum discurso do tipo “ai, mas isso é contra a natureza” para eu falar o que EU acho que é contra a natureza. E se meter religião do meio, eu vou descrever o Apocalipse. Me aguarde!
Bom mesmo vai ser o dia em que toda forma de amor valer a pena sem que algumas formas sejam deformadas por discursos de quem não quer saber nada desse mundo.

O que encontrarei do lado de lá?
Como voltarei e com que bagagem?
(13/11/2009 – no caminho para a Índia)