Acabo de descobrir que hoje é o dia do padeiro. A
coisa é que isso me leva ao mesmo tempo ao passado, ao presente e ao futuro. Ao
passado, porque me fez lembrar da padaria perto de onde eu morava quando era
criança. Eram três donos, Seu Geraldo, um brasileiro engraçado (ao menos
enquanto criança, eu achava), Seu Genaro, um italiano muito mal humorado que por
conta disso acabou ganhando varios posters de candidatos políticos colados no
carro pelos meninos da rua em que eu morava e o Seu Antônio, um português super
educado que sempre dava uma balinha à mais às crianças que iam buscar os pãezinhos
a pedido dos pais. Incrível eu ainda
lembrar os nomes. Coisas daqueles dias em que ir à padaria parecia ser tão bom
quanto ira o Shopping. O nome da padaria era Flor de « alguma cidade
portuguesa », como eram os nomes de todas as padarias de São Paulo, como
Flor de Évora, Flor do Minho, Flor de Lisboa.
Hoje as padarias ficaram mais gourmets, como a Bella
Paulista, a Galeria dos Pães, Saint Étienne, mas é também resultado de um
aprimoramento em um dos comercios que mais fazem parte da vida dos paulistanos
e hoje algumas são quase um supermercado. Mas ainda pode-se encontrar aquelas
de simplesmente recostar no balcão e pedir um pingado acompanhado de um pão na
chapa.
Eu pessoalmente adoro padarias. Quando estive um ano
fora depois da minha primeira missão e sabendo que chegaria bem de manhazinha, eu
tinha um único desejo : ir à padaria para comer um bom pão na chapa com
aquela crosta crocante e aquele miolo macio e tomar um suco de laranja feito na
hora. Ouvir aquelas máquinas de ferver água e fazer café, o burburinho dos
clientes, do café com leite servido num copo americano, da dose de pinga logo
de manhã para quem precisa, o liquidificador a fazer vitaminas para quem busca
energia para metade do dia. A fila para comprar o pão e ainda levar um sonho
recheado com aquele creme de baunilha estupidamente calórico.
Poderia passar horas relatando recordações da padaria
da minha infância, mas aquela padaria já não existe há muito tempo, assim como
mil outras coisas foram acontecendo desde então e muitas outras padarias foram
adotadas como cenário de outros instantes alimentados por pães na chapa,
misto-quente e outras variações tendo o pão como elemento principal da
composição padoco-gastronômica.
Veja bem, com exceção àqueles intolerantes ao glúten e
aos que estão no meio de alguma dieta radical, o pão faz parte da vida de
qualquer mortal. Pelos países que tenho andado, lá está ele, em todas formas e
modelos : fofinhos, duros, redondos, achatados, com fermento, sem fermento,
até com areia eu ja encontrei, pois a proximidade com o deserto fazia com que
grãos de areia misturassem-se sorrateiramente com a farinha. E lembro-me quando
estive no Senegal da deliciosa surpresa de encontrar num restaurante um
pãozinho que era simplesmente igualzinho àquele da padaria da esquina. E é
claro, das boulangeries francesas, que definitivamente mostram que chamarmos nosso
querido pãozinho de pão francês é quase uma afronta.
E da primeira vez que pedi um sanduiche de queijo no Sul,
o homem me perguntou : « No cacete ? ». Levei alguns
segundos para lembrar que pãozinho no Sul é cacete ou cacetinho e assim evitar
de dar-lhe um tapa na cara.
Em poucos dias, faço o caminho inverso de tantos donos
de padaria que deram a elas o nome de suas cidades deixadas para trás. Estes
sim foram sábios, pois sabiam que podia até faltar muita coisa à mesa, mas pão,
jamais ! E vereremos que histórias tendo as padarias de lá como cenário virão.
Deu vontade de comer pão.