Ontem, no dia em marcava 8 meses de missão, 4 meses
que faltam, tive a sorte de estar em um lugar
onde acontecia um evento que deu novas cores à essa minha temporada. Enquanto
eu assistia àquelas danças tradicionais, música e mesmo teatro, lembrei-me de outros momentos supreendentes que tive e
que, de tão inusitados, seriam um grande exercício para poder descreve-los. E
também pensava que ali, aquela dança podia ser a mais rica representação do
país que eu talvez tenha podido conhecer. A dança era alegria, união, cores, tão alheia
à tudo com que ela mesmo contrasta nesta terra sofrida. Dançar ali, era
resistir, era viver, sorrir, divertir-se, fazer divertir. E fazia.
E enquanto aquele grupo de homens e mulheres dançava
com seus trajes e rostos coloridos, eu dançava em uma retrospectiva de outros
momentos que, por mais que eu fale deles, me pergunto com quantos eu terei
efetivamente conseguido compartilhar esses momentos e as sensações que eles me
provocaram. Mas vou tentar :
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Em uma região a dois
mil metros de altutude, ao Leste da República Democrática do Congo, um lugar
frio onde, apesar da presença de ovelhas, nunca se considerou utilisar sua lã.
Sempre achei curioso que práticas milenares em outras regiões do mundo não
tenham sido implementadas por ali. Pois nesse dia fazia frio e uma leve neblina
dava ao lugar ares ainda mais bucólicos. Ali as ruas, ou melhor, os caminhos,
eram todos, todinhos de terra. As casas, como em quase todos os lugares por
onde passei, eram de barro cobertas de palha. As poucas casas em tijolo eram
construções deixadas por religiosos ou antigos colonos e usadas por escolas ou
autoridades. Com nossa visita, um lugar
que apoiávamos resolveu nos fazer uma homenagem. Eu era a única estrangeira num
raio de uns 100km e portanto, ainda que aquilo me deixasse muito sem jeito,
estava sendo tratada como a pessoa mais importante do universo. Eram discursos,
cantos, agradecimentos e finalmente, a hora de distribuir os presentes
oferecidos pela comunidade. Ali, sentada com meus colegas à frente do palco,
naquele imenso campo de terra, sou chamada para receber meu presente : Uma
ovelha… viva. Não vi no dia seguinte quando ela se foi desta para melhor, mas
assei o pernil e ficou ótimo.
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Um ano antes, também no Congo, era o dia da
Mulher. Ali, esse dia é tido como um dia em que as mulheres podem enfim fazer a
festa do jeito delas. Para muitas, é o único dia. Eu estava em mais
um desses lugares onde crianças me cercavam cheias de curiosidade e
interrompiam seu caminho ao levar latas d’agua para se aproximar. Os
recipientes iam de acordo com a idade das crianças. As maiores com grandes
latões, o menino de uns três anos com uma garrafa de dois litros. Me convidaram
para falar sobre nosso trabalho a um grupo de mulheres. Quando cheguei ao
barracão onde eu era esperada, elas começam a dançar e a cantar para mim. Era
eu que ia dar algo mas foram elas que me deram.
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No Chade, eu trabalhava
em um projeto para mulheres que iriam operar ou se recuperavam da operação que
repara uma condição chamada « fístula obstétrica » (google, my
friends). Elas falavam árabe, eu não entendo nada de árabe. Mas podia ficar
feliz com elas quando elas podiam enfim retornar aos seus lares, em algum lugar
à beira do deserto do Saara. As que ficavam, trançavam o cabelo uma às outras.
Um dia, eu pedi que me fizessem algo também. Duas mulheres se aproximaram,
começaram a fazer tranças que facilmente se desfaziam e entâo começaram a rir e
a falar algo. Então eu perguntei o que elas estavam falando e me traduziram :
« Elas estão dizendo se seu cabelo é ruim ! »
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Sou fascinada por
fenômenos da natureza. É ela que volta e meia mostra quem é que manda por aqui.
Que por mais que se tente domina-la, ela acabará por vencer. Sua força às vezes
pode ser trágica, mas em outras ocasiões, é possível aprecia-la. Em minha
primeira semana no Chade, olhei para o ceu e vi que ele se escurecia num tom
que ia do ocre ao marrom escuro, quase preto. Era uma enorme tempestade de areia
que voava bem ali, a cobrir a luz do sol, a cobrir o solo de areia, muita
areia. E cobriu minha roupa, meu cabelo, os móveis e depois se foi. Mas foi
lindo.
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E há aquela experiencia
que eu só teria estando onde estou. No Sudão do Sul, bem mais ao Norte de onde
vi a dança que me fez viajar tudo outra vez, viajei entre dois lugares de barco
pelo Rio Nilo. Aquele rio que eu só conhecia das aulas de História e de uma
viagem de férias à Uganda onde diz-se, é a fonte do rio, algo contestado por
Ruanda e Burundi, estava bem ali, ao meu redor. E eu, num pequeno barco,
sentindo-me grandiosa. Uma experiência que me revitalizava para a realidade que
eu via, às suas margens.
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A minha primeira missão
não podia ficar de fora. Enquanto eu estive em Honduras, algo que eu achava já
estar fora de moda por terras latino-americanas aconteceu. O então presidente
foi « gentilmente » retirado de sua casa por militares e acontecia
ali um Golpe de Estado. Um lugar que vivia um quotidiano típico viu-se então
com toque de recolher, discursos diários na TV do senhor colocado em seu lugar
e uma incerteza geral. O presidente deposto, após alguns meses, conseguiu
entrar escondido no país (ele havia sido enviado para outro lugar) e
refugiou-se… na Embaixada Brasileira! Os que lhe eram favoraveis vinham até me
felicitar. No fim, tudo foi um bocado folclórico. Mais uns meses, vieram as
eleições, alguém foi eleito e tudo voltou ao normal como se nada tivesse
acontecido.
Continuo contando os dias para o fim dessa missão, mas
não posso deixar de dizer que, apesar de condições às vezes difíceis, ficam
umas boas historias!