segunda-feira, 29 de junho de 2015

Arco-íris e bicicletas


Vejo poucas bicicletas por aqui. Quando as vejo, estão carregadas, muito carregadas de coisas enquanto seus donos as empurram pelas ruas para lá de irregulares. Vi um arco-íris tímido semana passada, enquanto esperava dentro do pequeno avião que me levaria a um lugar onde ver pessoas carregando uma AK47 não chega a ser incomum. Toda essa pequena introdução para falar de ataques à conquistas num mundo distante desse, ao acompanhar o que acontece longe daqui.

Seguir a timeline de uma rede social é tambem seguir informações, opiniões que podem ser iguais ou diferentes da sua. Foi numa rede social que vi fotos da imensa maioria de meus contatos colorirem-se com as cores do arco-íris, em resposta positiva ao fato de a Suprema Corte americana ter aprovado a união de pessoas do mesmo sexo que, embora seja um contrato, como é o contrato de qualquer matrimônio, representa uma conquista para muitos. E assim, eu também aderi e colori a foto do meu perfil, simplesmente porque acho mais que óbvio oficializar direitos de quem constroi uma vida juntos. Além disso, quem vive o amor nesse mundo cheio de guerra vai sempre ter uns bons pontos a mais de minha parte.

E destaco a palavra « Construir ». Porque é o que alimenta esse meu lado idealista, ufanista que seja, a continuar acreditando que um mundo melhor é possivel. Infelizmente, tanto aqui como lá, o destruir impede esse avanço. Aqui, o país mais novo do mundo, após um início que parecia próspero, vive uma nova era de conflitos. Ali, a conquista de casais gays incomoda àqueles que se apegam a conceitos de um livro escrito por homens, propagado por homens e cujo conteúdo também sofreu la certa censura, pois quem além de ter lido tal livro, pode ler também algum estudo de revista, que seja, sobre como ele se formou, o sabe.  Enfim, construção versus destrução em ambos os casos.

Não vou entrar muito na minha visão pessoal sobre religião. Porque religião é algo pessoal, digo que a minha é o respeito e assim respeito a religião de cada um desde que não venham me encher o saco dizendo que eu vou para o inferno se não fizer isso ou aquilo ou que algumas pessoas arderão no fogo eterno porque não seguem o mesmos princípios que elas. Mas que fiquem sabendo que, para eu realmente me incomodar com isso, eu teria que acreditar em céu e inferno primeiro e que religiosidade é questão de atitude e carater e de como tratamos as pessoas e frequentar a igreja (ou qualquer outro tipo de templo) não basta para fazer de alguém uma pesssoa melhor.

O que vi (felizmente em número iiiiiinnnnfinitamente menor) foi uma manifestação contra as fotos em arco-íris, mostrando a foto de uma criança desnutrida na África, apenas dizendo que se a campanha for por isso, aí sim. Pois uma coisa não invalida a outra !  Somar deveria ser a palavra de ordem, não ? Se não for para construir, para fortalecer o resultado de duras conquistas de e para pessoas que vivem, trabalham e amam, qual é o objetivo da destrução ? Está no tal livro algo do tipo « destrui uns aos outros » ?

Ainda esses dias, vi notícias sobre a inauguração da ciclovia na Avenida Paulista.  Mais uma vez, pessoalmente, eu fiquei muito orgulhosa. São Paulo, há muito tempo, vem precisando de alternativas de locomoção. Ainda há muito o que fazer, as linhas de metrô são poucas para uma cidade tão imensa, os ônibus não atendem a demanda, cansei de desistir de ir de um lugar ao outro só de pensar naquele vagão lotado. Já andei algumas vezes de bicicleta pela cidade, antes das ciclovias. Não é tarefa fácil, na rua é preciso tomar cuidado com os carros e aí, desvia-se pela calçada, onde os pedestres é que se incomodam. Ou seja, faltava lugar para as bicicletas e assim, as ciclovias tornam-se mais uma conquista. Sim, é verdade, política existe e há trechos mal planejados e como tudo que é novo, ainda haverá muita coisa a melhorar. Mas é um passo, ou melhor, uma pedalada !

E aí que mais uma vez, há quem resolva ser do contra. Claro, o Brasil é hoje um país bastante democrático e lembremos que foi, mais uma vez, resultado de muita luta após décadas de regime militar, o que faz da nossa democracia uma conquista também. Portanto, ser do contra é um direito de qualquer cidadão. Mas ainda assim, incomoda-me ver que há quem seja do contra muito mais pelo partido político do atual prefeito responsável por implementar as ciclovias que pelas ciclovias em si. Uma foto de um homem na África (mais uma vez a África !) em uma bicicleta carregando uma AK47 ironizando as ciclovias e a falta de segurança faz ganhar o que ? Há quem diga que as ciclovias serão um fracasso porque a segurança não é garantida, mas são as mesmas pessoas que circulam fechadas em seus carros (e que acontece até de terem seus carros roubados). O problema de segurança não está ligado à existência e ao sucesso das ciclovias, mas é algo a mais a se conquistar.  Mas uma vez, minha modesta chamada para somar e não destruir.

Pois é assim, ao ver a realidade daqui, onde homens circulam com suas AK47, bicicletas são transformadas em transporte de carga, tudo e todos que são destruídos em conflítos sem fim me faz questionar com o que as pessoas que estão em um lugar considerado mais privilegiados estão realmente preocupadas. Com elas mesmas e seus intocáveis conceitos que moldam uma moral que eu não sei muito bem qual fim tem (o de ter um cantinho no céu talvez ?) Que tal fazer isso sem transformar isso aqui num inferno ? Amem-se de todas as formas, deixem amar, andem de bicicleta, o mundo tem muito mais a ganhar.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Pé na Lama....


Hoje enfiei o pé na lama. Depois de tanto tempo bem comportada na capital, vivendo um dia de cada vez à espera de uma oportunidade para fazer algo que realmente dê sentido à minha existência, ao menos ao que se refere ao motivo de eu estar aqui, acabou acontecendo.

Sim, hoje enfiei o pé na lama. Os dois pés, melhor dizendo.  Daquele jeito que só esfregando com uma daquelas buchas que ainda encontramos na feira. Bom, na feira da minha terra, pois aqui são outros quinhentos.

Deixei a capital rumo à um vilarejo que em época de chuva transforma-se em um grande charco, o que por sinal caracteriza boa parte do território neste país em época de chuvas. E lá fui eu, acreditando que após quase uma semana sem chuva por aqui, minhas Havaianas, que tanto orgulho me dão quando vejo os produtos dessa marca tão brasileira em pés de gente representando as mais diversas nacionalidades, até porque depois da Copa do Mundo e da atual zona que está nossa política as opções de orgulho nacional vem se restringindo, pois as minhas Havaianas aqui estavam em meus pés e bastariam para uma pequena caminhada de menos de quinhentos metros. Só que não. E foi assim que enfiei o pé na lama.

Esta criatura da Selva de Pedra, capaz de beijar o asfalto depois de muitos dias de mato, pensa então : Estou mesmo enfiando o pé na lama ? Literalmente, sem dúvida alguma. Afinal, as condições geológicas e meteorológicas convidam para essa nobre experiência. Não tem gente que viaja a lugares ditos terapeuticos para esfregar lama no corpo todo e pagam horrores por isso ? Aqui lama é o que não falta. Vi meus pés – e minhas Havaianas -, envoltas de uma massa argilosa, porque afinal, galochas são para dias de chuva, não ?

A coisa é que, apesar desse retrato e dessa experiência tão literal de ter meus pés atolados num lamaçal,  uma sensação totalmente oposta ao significado pejorativo de enfiar os pés na lama veio quando pensei no que afinal, eu vim fazer aqui.  Uma daquelas sensações de orgulho, de finalmente sair do conforto da capital, onde por sinal eu já estava a contragosto, para trabalhar com a gente que nasceu e cresceu nessas condições que são tão, mas tão distantes do que imaginamos como um lugar para viver.

Mas as pessoas vivem sim aqui à sua maneira, caminham pelos charcos sem botas de borracha e em meio a tanto modismo do lado de lá do mundo em que pode-se encontrar tais botas pelo preço que mal cobriria um ano de trabalho de quem aqui vive, me vejo com um sentimento de uma estranha riqueza. Riqueza por cá estar, por oferecer alguns aprendizados tão acadêmicos e pessoais e muito mai,s por aprender imensamente com essa gente.

Tenho observado que desde que comecei a escrever esse blog, havia no começo um relato mais humorado de como eu vivia, do meu cotidiano para depois passar a ser algo mais reflexivo. Talvez eu esteja ficando velha e intimista (mais ainda do que eu sempre fui ?). Talvez seja porque as sensações que vivo com essas experiências seja o que tem mais tenham me fascinado. É como aquela propaganda do cartão de crédito : Algumas coisas não tem preço.

E como tenho ficado mais velha, é verdade que questões práticas assolam meu pensamento mais racional, voltadas à aquisiçao de um patrimônio, porque afinal é preciso ter um teto para cair morta, mas o que sei é que o dia em que eu parar quieta (e não sei se em poucos meses ou ainda em alguns anos, porque as coisas que me movem vão variando), o que dará valor a esse espaço não será o valor do metro quadrado, mas tudo o que eu puder colocar la dentro que possa representar, de alguma forma, muitas pessoas e histórias vividas desse lado do mundo que eu tenho o privilégio de conhecer.

Quando eu estou reunida com gente daqui, sempre gosto de dizer que eu não estou lá para impor nenhum conhecimento, mas que iremos aprender juntos. Porque é isso mesmo. Continuarei, portanto, a enfiar o pé na lama !