Começo a escrever nesse domingo já sabendo que o post
só será publicado quase dois dias depois por dois motivos : um é que onde
estou agora não tem internet, o outro é
que moscas do lado de fora do quarto - e são insuportavelmente muitas-, um dos
motivos para eu ficar trancaficada aqui dentro do quarto, me fizeram lembrar de
encomendar ao meu irmão uma daquelas raquetes que matam moscas e qualquer outro
inseto incauto eletrocutado. Ele foi para uma visita surpresa de poucos dias no
Brasil, resultado de uma promoção irresistível porporcionada por uma companhia
aérea que permitiu a ele dar esse pulinho em terras tupiniquins. E sendo uma
visita surpresa, melhor não denunciar antecipadamente sua presença aos
eventuais 2 ou 3 leitores desse empoeirado blog.
Passo esses dias em um outro canto desse país, com
direito a descobertas da diversidade cultural e visual que mais fazem dar
voltas ao meu trabalho, de tantas adaptações que vão se fazendo necessárias. No
meio desses dias, um fim de semana escasso de opções, que acabou sendo
preenchido com parte do trabalho a fazer, um jantar de última hora na casa dos
colegas que vivem por aqui, uma caminhada a um mercado local (algo que faço
sempre que posso) e muito tédio.
Além de palavras cruzadas no célular que desafiam
minha memória de conhecimentos adquiridos em meus idos tempos de escola, com
questões do tipo « coletivo de abelha », « transformação de
estado líquido em gasoso » e « Região mais populosa do Brasil »,
terminei de ler o livro « Notícia de um Sequestro » de Gabriel Garcia
Marques, literatura jornalística de primeira linha, como não poderia ser
diferente com escritor de tamanha grandeza.
O livro, tratando de narrar a vida de alguns
sequestrados na era Ecobar e as negociações para suas libertações, me fez
pensar em tantos mecanismos que alguém deve criar estando em cárcere, tentando
manter um mínimo de estado físico e mental para a sobrevicência em uma condição
anormal. Pensei, porque aqui dentro desse quarto há cinco horas (e não dias,
nem meses e nem anos) e pensando nas 13 horas que faltam para eu retomar o
trabalho no dia seguinte, mil coisas já passaram pela minha cabeça. Não
pretendo fazer uma comparação absurda e ridícula com a realidade de alguém que
vê sua liberdade involutariamente tolhida. Tenho certeza de que essas pessoas
dariam tudo para ter a possibilidade de circular, apesar de moscas, do calor e
da necessidade de buscar o que se fazer.
O que me fez pensar é o fato de que nessas horas que
fiquei aqui, tantas coisas passaram por minha cabeça à ponto de me dar a
sensação que de havia muito mais vida dentro dela do que fora. O pensar no
cenário distinto que encontrarei quando voltar ao Brasil, dessa vez bem mais
diferente do que outras vezes, nos reencontros, no que será o produto de meus
dias aqui, inventar conversas faladas e escritas e imaginar histórias de amor,
de recordar coisas de 20 anos atrás, 25, olhar para trás e para frente também,
imaginando possibilidades nessa minha vida imprecisa. De que viver não é
preciso, como disse o poeta num verso de mais de um sentido. Mas que navegar é preciso, embora eu ainda
não tenha definido como, quando e onde ancorar.
E enquanto eu vivo meu mundo pessoal em meus próprios
pensamentos, recordo ainda que durante uma rápida saída para comer algo e
disputar a mesa com moscas, uma reportagem falava da realidade dura dos
pescadores do Nilo, chamadas escritas no rodapé atualizavam sobre notícias
sobre um mundo de bomba no Oriente Médio, xenofobia no país que tanto brigou pelo
fim do Apartheid e enfim, de sequestros.
As notícias foram cortadas pelo pedido de pessoas que pediram para ver um dos
campeonatos de futebol. Um homem local sentou-se em minha mesa sem muitas
delongas, simplesmente porque era uma boa localização para ver a TV. Pensei na
estranheza que aquilo me causara, vindo de um mundo onde a mesa, enquanto
« sua », é um reino onde apenas se sentam aqueles que são convidados.
Ele apenas me perguntou se eu assistia futebol. Resolvi não revelar minhas origens
do que ainda insistem em chamar « País do Futebol » para não
continuar um papo que não tive vontade de ter
nesse dia tão cheio de introspecção e respondi apenas que só assistia
futebol durante a Copa do Mundo, o que afinal era verdade.
Enquanto busco o que fazer, me arrependo de não ter
trazido meu HD com uma série de filmes novos copiados de um colega que bem
poderiam entreter-me um pouco mais, com a vantagem de ainda vir com legendas em
português, já que o colega em questão é um « gajo muito fixe, ó pá »
que fez a gentileza de emprestar-me seu pen drive recheado de filmes.
Penso que deveria ter trazido mais um livro, sabendo
que o outro fatalmente acabaria logo e penso também que fico contente em poder
deixa-lo para trás, sabendo que um dos colegas por aqui, embora esteja
viajando, é espanhol e nesta língua está o livro. E penso que gosto de deixar
livros para trás e descobrir novos no caminho, como se livros pudessem mais que
contar apenas histórias escritas nele, pudessem também contar histórias de quem
os teve um dia.
E finalmente penso que ainda há trabalho a fazer e,
apesar de princípios de manter um dia com certa distância dos afazeres, o dia
tornou-se longo demais e que talvez eu possa descobrir algo que ainda não havia
pensando enquanto trabalho, enfim.
Mas não há um finalmente, porque continuo pensando.