Foi nessa quente tarde de sábado, no desespero
de tentar ao menos uma pequena soneca, que decidi usar duas cadeiras para
recostarme à sombra em um ponto do compound
onde uma suave corrente de ar dava uma deliciosa sensação de alívio contra
o termômetro que passava dos quarenta graus.
Em minhas mãos, um velho livro de Gabriel
Garcia Marquez em espanhol que encontrei em meio a tantos outros livros em
tantas outras línguas deixados pelos que vão passando. O livro, chamado Notícia de um Sequestro em português,
falava da vida de cárcere privado sofrida por pessoas sequestradas em meio à
era de Pablo Escobar na Colômbia e do processo que envolvia a libertação
destes.
Deito o livro em meu colo e encosto a cabeça na
cerca feita de palha. Embora os fiapos de palha num primeiro momento me
incomodem, deixo-me vencer pela necessidade de repousar. Fecho os olhos e
percebo então os sons que me rodeiam e que me tiram da sensação de silêncio num
momento em que outros moradores do campound estão trabalhando fora em outro
lugar, quietos por aqui ou até dormindo em suas barracas ou tendas não tão
quentes como a minha. Primeiro chama-me a atenção a voz de duas crianças
brincando, falando palavras numa língua que desconheço, mas que não deixam de
transmitir a simplicidade de crianças brincando. O que me leva a pensar que
vinte quilômetros daqui, e às vezes ouvimos evidências de tal através de
estopins que inrompem ao longe, pessoas que um dia foram crianças disputam
territórios e já perderam sua inocência.
Pássaros pequenos, pios dos pintinhos que
desafiaram a caça aos ovos feita semanas antes graças a uma galinha que soube
bem esconder sua produção somam-se ao burro que zurra (confesso que tive que
apelar ao Google para lembrar disso) e à cabra que bale. Não há som de carros,
pois os poucos que rodam por aqui são das organizações que por aqui aterrisaram.
É um silêncio cercado de sons. Então não é
silêncio, diriam. Mas vejo, numa mistura de percepções e sentidos, esses
pequenos sons ao redor como cores que se dão ao silêncio. Porque esses sons são
de movimentos do lado de fora que não vejo e que me fazem imaginar suas origens.
Com a cabeça já ajustada à cerca de palha, caio
no sono. Acordo com o ritmo da caneta que bate sobre a mesa do escritório que
fica uns 10 metros de onde estou. Um colega, isolado dessas cores de som por
seus fones de ouvido, bate a cadência da música que ouve. Empolgado, ele chega
a cantar junto sem se dar conta que alguém o ouve do lado de fora e que assim,
é sem saber capturado para somar-se aos sons ao redor.
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