sábado, 4 de abril de 2015

Sons ao redor

O calor é imenso. Impossível de descansar nessa quente tarde de sábado dentro do barraco de pau à pique que me foi atribuida para esses dias de trabalho nesse ínfimo pedaço desse planeta enorme. Coberta com telhas de metal tão inadequadas à elevada temperatura, o barraco apenas esquentava ainda mais e o calor acumulado fazia-se sentir durante toda a noite. As pequenas janelas não contribuiam para ventilar o interior e já eram quarto noites mal dormidas.

Foi nessa quente tarde de sábado, no desespero de tentar ao menos uma pequena soneca, que decidi usar duas cadeiras para recostarme  à sombra em um ponto do compound onde uma suave corrente de ar dava uma deliciosa sensação de alívio contra o termômetro que passava dos quarenta graus.

Em minhas mãos, um velho livro de Gabriel Garcia Marquez em espanhol que encontrei em meio a tantos outros livros em tantas outras línguas deixados pelos que vão passando. O livro, chamado Notícia de um Sequestro em português, falava da vida de cárcere privado sofrida por pessoas sequestradas em meio à era de Pablo Escobar na Colômbia e do processo que envolvia a libertação destes.

Deito o livro em meu colo e encosto a cabeça na cerca feita de palha. Embora os fiapos de palha num primeiro momento me incomodem, deixo-me vencer pela necessidade de repousar. Fecho os olhos e percebo então os sons que me rodeiam e que me tiram da sensação de silêncio num momento em que outros moradores do campound estão trabalhando fora em outro lugar, quietos por aqui ou até dormindo em suas barracas ou tendas não tão quentes como a minha. Primeiro chama-me a atenção a voz de duas crianças brincando, falando palavras numa língua que desconheço, mas que não deixam de transmitir a simplicidade de crianças brincando. O que me leva a pensar que vinte quilômetros daqui, e às vezes ouvimos evidências de tal através de estopins que inrompem ao longe, pessoas que um dia foram crianças disputam territórios e já perderam sua inocência.

Pássaros pequenos, pios dos pintinhos que desafiaram a caça aos ovos feita semanas antes graças a uma galinha que soube bem esconder sua produção somam-se ao burro que zurra (confesso que tive que apelar ao Google para lembrar disso) e à cabra que bale. Não há som de carros, pois os poucos que rodam por aqui são das organizações que por aqui aterrisaram.

É um silêncio cercado de sons. Então não é silêncio, diriam. Mas vejo, numa mistura de percepções e sentidos, esses pequenos sons ao redor como cores que se dão ao silêncio. Porque esses sons são de movimentos do lado de fora que não vejo e que me fazem imaginar suas origens.

Com a cabeça já ajustada à cerca de palha, caio no sono. Acordo com o ritmo da caneta que bate sobre a mesa do escritório que fica uns 10 metros de onde estou. Um colega, isolado dessas cores de som por seus fones de ouvido, bate a cadência da música que ouve. Empolgado, ele chega a cantar junto sem se dar conta que alguém o ouve do lado de fora e que assim, é sem saber capturado para somar-se aos sons ao redor.

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