Hoje enfiei o
pé na lama. Depois de tanto tempo bem comportada na capital, vivendo um dia de
cada vez à espera de uma oportunidade para fazer algo que realmente dê sentido
à minha existência, ao menos ao que se refere ao motivo de eu estar aqui,
acabou acontecendo.
Sim, hoje
enfiei o pé na lama. Os dois pés, melhor dizendo. Daquele jeito que só esfregando com uma
daquelas buchas que ainda encontramos na feira. Bom, na feira da minha terra, pois
aqui são outros quinhentos.
Deixei a
capital rumo à um vilarejo que em época de chuva transforma-se em um grande
charco, o que por sinal caracteriza boa parte do território neste país em época
de chuvas. E lá fui eu, acreditando que após quase uma semana sem chuva por
aqui, minhas Havaianas, que tanto orgulho me dão quando vejo os produtos dessa
marca tão brasileira em pés de gente representando as mais diversas
nacionalidades, até porque depois da Copa do Mundo e da atual zona que está
nossa política as opções de orgulho nacional vem se restringindo, pois as
minhas Havaianas aqui estavam em meus pés e bastariam para uma pequena caminhada
de menos de quinhentos metros. Só que não. E foi assim que enfiei o pé na lama.
Esta criatura
da Selva de Pedra, capaz de beijar o asfalto depois de muitos dias de mato,
pensa então : Estou mesmo enfiando o pé na lama ? Literalmente, sem
dúvida alguma. Afinal, as condições geológicas e meteorológicas convidam para
essa nobre experiência. Não tem gente que viaja a lugares ditos terapeuticos
para esfregar lama no corpo todo e pagam horrores por isso ? Aqui
lama é o que não falta. Vi meus pés – e minhas Havaianas -, envoltas de uma
massa argilosa, porque afinal, galochas são para dias de chuva, não ?
A coisa é que,
apesar desse retrato e dessa experiência tão literal de ter meus pés atolados
num lamaçal, uma sensação totalmente
oposta ao significado pejorativo de enfiar os pés na lama veio quando pensei no
que afinal, eu vim fazer aqui. Uma
daquelas sensações de orgulho, de finalmente sair do conforto da capital, onde
por sinal eu já estava a contragosto, para trabalhar com a gente que nasceu e
cresceu nessas condições que são tão, mas tão distantes do que imaginamos como
um lugar para viver.
Mas as pessoas
vivem sim aqui à sua maneira, caminham pelos charcos sem botas de borracha e em
meio a tanto modismo do lado de lá do mundo em que pode-se encontrar tais botas
pelo preço que mal cobriria um ano de trabalho de quem aqui vive, me vejo com
um sentimento de uma estranha riqueza. Riqueza por cá estar, por oferecer alguns
aprendizados tão acadêmicos e pessoais e muito mai,s por aprender imensamente
com essa gente.
Tenho
observado que desde que comecei a escrever esse blog, havia no começo um relato
mais humorado de como eu vivia, do meu cotidiano para depois passar a ser algo
mais reflexivo. Talvez eu esteja ficando velha e intimista (mais ainda do que
eu sempre fui ?). Talvez seja porque as sensações que vivo com essas
experiências seja o que tem mais tenham me fascinado. É como aquela propaganda
do cartão de crédito : Algumas coisas não tem preço.
E como tenho
ficado mais velha, é verdade que questões práticas assolam meu pensamento mais
racional, voltadas à aquisiçao de um patrimônio, porque afinal é preciso ter um
teto para cair morta, mas o que sei é que o dia em que eu parar quieta (e não
sei se em poucos meses ou ainda em alguns anos, porque as coisas que me movem
vão variando), o que dará valor a esse espaço não será o valor do metro
quadrado, mas tudo o que eu puder colocar la dentro que possa representar, de
alguma forma, muitas pessoas e histórias vividas desse lado do mundo que eu
tenho o privilégio de conhecer.
Quando eu
estou reunida com gente daqui, sempre gosto de dizer que eu não estou lá para
impor nenhum conhecimento, mas que iremos aprender juntos. Porque é isso mesmo.
Continuarei, portanto, a enfiar o pé na lama !
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