quarta-feira, 25 de maio de 2011

Digite sua senha

Em meus últimos dias de férias, saí de Jinja e fui para Kampala. Capital de Uganda, Kampala é uma cidade realmente digna de ser chamada cidade grande: prédios, avenidas, ruas, semáforos, comércio de qualquer espécie, vendedores ambulantes aproveitando o tráfego que vendem desde cana de açucar pronta pra chupar até raquetes daquelas de fazer moscas e mosquitos se arrependerem de ter chegado perto. Mas a grande prova de pertenencia ao mundo dito civilizado é a existencia de um desses templos do consumismo chamado “shopping center”, que por aqui (e por muitos outros lugares do mundo) é chamado de Mall, já que shopping center é nada mais que a tradução sem graça de “centro de compras”.

Em São Paulo existe um desses em cada esquina e segundo importantes informações que me chegam diariamente via Facebook por parte de uma amiga inconformada por ver o cenário de sua janela sendo destruído com a construção de mais um na já congestionada Avenida Paulista, eles seguirão proliferando enquanto for necessário gerar renda às pobres famílias Mastercard, Visa e American Express.

O que quero descrever, no entanto, é a estranha sensação de deslumbre quando depois de três meses e meio entra-se num desses lugares. Quando a gente aprende (ou busca aprender) a viver em uma aldeia onde não é possível sequer comprar uma escova de dentes, voltar a entrar num imenso supermercado do tipo Extradabrigadeiro (lembrei de um amigo que escreve metrovilamadalena para deixar bem claro e destacado o poder da expressão), é, num primeiro instante, um misto de encantamento, de retorno ao poder de compra, de ter a sensação de ter tudo aos seus pés, de acessibilidade, de “Yes, I Can!”, de não sei o que. A imagem dos carrinhos de supermercado, aquele monte de caixas, o barulhinho do produto passando pelo leitor de barras, as frutas e verduras em montinhos bem alinhados, o departamento de eletrônicos, TVs de plasma, cereais, vinhos, chocolates, toalhas, azeite de oliva extra virgem e... mas e aí?

O meu estado de “estou no paraíso” foi dando lugar a um “tá, e agora?” à medida em que conquistava aqueles corredores plenos de bens de consumo para todas as necessidades e reflito o quanto a necessidade é ela mesma um produto de venda. No meu caso, satisfazer meus desejos de consumo depende de uma estrutura logistica especial, já que onde eu trabalho não há uma cozinha tradicional, mas sim um fogão à carvão e meu prazer de cozinhar vai se desfazendo ao pensamento de ter que acender o carvão, esperar um bom tempo e não ter grande precisão da força do fogo necessário para o cozimento de seja lá o que for. Por isso, não fiz grandes aquisições culinárias e me limitei a comprar felicidade em forma de chocolate para os colegas lá na floresta, um pacote de milho para pipoca e uma pequena garrafa de azeite extra virgem como um pequeno luxo que dá sabor ao queijo local e ao pão que, feito forçosamente no forno à lenha, é excelente. Talvez o grande momento de êxtase foi ter utilizado meu cartão de crédito para pagar a conta com a felicidade de uma adolescente que tem em suas mãos aquele poderoso pedaço de plástico que tem o mágico poder de fazer esquecer a conta que virá depois.

No dia seguinte, fui a um mercado autenticamente popular que dizem ser o maior da África. Se é o maior eu não sei, mas é sem dúvida o lugar que mais concentra vendedores de tudo por metro quadrado que eu já vi em minha existência. O chão é de terra, as barracas de madeira podem ter apenas 80cm de comprimento e concentrar montanhas de roupas de segunda mão. Ali, para comprar algo parte-se para a tradicional barganha e o preço pode variar imensamente para uma pessoa local e uma estrangeira, especialmente se esta tiver belos olhos verdes como eu. Consigo baixar o preço para a metade do inicial mais saio com a sensação de que ainda assim paguei demais. O tour de compras seguiu para um conjunto de lojas de artesanato. Outra vez, sem novidades, já que todas vendem exatamente os mesmos produtos e, portanto, nada mais a dizer sobre o tema “artesanato”

Fazer compras não é meu passatempo favorito, mas viver esta atividade de maneiras extremas acaba sendo uma experiencia bem interessante. Agora é voltar à selva e ver que afinal se algumas coisas fazem falta, outras no fundo não fazem tanta falta assim e que depois de duas lojas, todas são iguais. E que digitar a senha do cartão é nada mais um movimento automático.

Um comentário:

Lucy Leite disse...

Nossa, que experiência alucinante essa de não ter onde comprar escova de dente! E absorvente? Tem para comprar? Como é que é isso aí?
Mas olha, quando entrei num supermercado aqui na Espanha pela primeira vez, fiquei igual uma bocó, babando em tudo... tudo o que no Brasil a gente pagava fortuna, aqui é barato. Cinco litros de azeite de oliva bom? 30 reais! haha Na verddade, acho que é só sair do meio que a gente tá bem acostumadinha mesmo para virar bocó, seja para a coisa melhor ou para a pior :)
Keep it up, Ju, tá demais seu blog!