terça-feira, 17 de maio de 2011

Onde eu fui amarrar minha cabra

Desde meus dias no Chade crei certa intolerancia a cabras. Cabras vivas, diga-se de passagem, porque elas dão um bom churrasco. Elas estavam ali por todas as partes, pastando, atravessando a rua, montadas nos muros, em bandos, sozinhas, com cabritos ou sem. Eu fechava os olhos e via cabras. Aqui incluo os bodes, já que por não saber dizer bode em francês, chamava a todos os caprinos simplesmente de chèvre e isso incluia as ovelhas que lá, por não serem aquelas ovelhas fofinhas que nos ajudam a dormir enquanto pulam a cerca, eram para mim nada mais que cabras um pouco mais peludas.

Pois bem, estava eu outro dia conversando pelo messenger com um amigo, coisa que não faziamos faz tempo, pois ele depois que casou, teve filhos e criou um negocio de vender teses pela internet deixou de ter tempo para essas baboseiras. Nessa conversa, surgiu o tema “vida na selva”.

As coisas mais marcantes são justamente aquelas que jamais aconteceriam eu seu habitat natural, que no meu caso, é uma cidade de muitos milhões de pessoas que tem mais prédios que árvores e se bobear, mais gente que insetos, caso isso seja possível. Mas tem-se a impressão de ter a imagem de mais pessoas que insetos quando ao contrário, você está em um vilarejo no meio da floresta africana onde um dia depois da chuva há uma verdadeira invasão de cupins daqueles que são atraídos pela luz. Uma nuvem desses insetos, que tem a companhia de ruidosos besouros, se junta a qualquer foco de luz, o que torna impossivel a permanencia em qualquer ambiente artificialmente iluminado. A grande lição do dia foi saber que existem diferentes tipos de cupins e aqueles que aparecem por volta das 10 da noite são mais... saborosos! Isso mesmo, mais saborosos. Mas bons mesmo, segundo me disseram, são os das 3 da manhã... No dia seguinte, havia uma maçaroca preparada à base dos tais cupins. Coloquei uma minuscula porção em minha boca e foi até onde eu pude chegar, enquanto os locais saborearam o tal prato como se fosse um verdadeiro manjar. Bom, talvez para eles seja mesmo.

Mas voltemos às cabras. Neste mesmo vilarejo organizou-se um torneio de futebol, esse lindo esporte evocado sempre que digo que sou brasileira e que digo que gosto quando me perguntam, apesar de não saber o nome de mais de três jogadores de futebol em ação. Nossa equipe ganhou e o premio foi uma cabra, digo, um bode. Assim sendo, contei ao meu amigo que passei uma noite inteira em claro porque resolveram amarrar o bode bem ao lado do meu quarto. Não sei dizer o porquê, mas os bodes (e as cabras) dali são muito mais ruidosos e gritadores que os bodes do Chade. As cabras chadianas faziam simplesmente béee (talvez fossem todas ovelhas, no final das contas), enquanto as congolesas berram. E assim fez o bode a noite toda. Consegui fazer que o amarrassem em outro canto nas duas noites seguintes que prescederam o seu fim. Mais um pouco de tanto ouvir aquele suplício eu teria virado vegetariana, mas creio que essa categoria alimentar está ainda longe de fazer parte de mim. Na verdade, estou mais para a idéia desses desenhos animados onde o lobo vê um pássaro e imediatamente lhe vem à mente a imagem de um bom frango assado.

Isso é um pouco da vida na selva. Quer comer carne, nada de supermercado. Conte com as cabras que perambulam pelo vilarejo ou com a sorte de que algum caçador venha com algum animal exótico para comer, como um porco espinho (delicioso), um antílope ou um macaco (nada mal). Quer banho de água quente, espere até que ela seja esquentada no fogão à carvão. Quer roupa passada, o ferro é à carvão também. Quer ler até tarde, aproveite enquanto o gerador está ligado. Depois, só com sua lanterna. Acabou seu shampoo, espere que alguem venha da “cidade grande” e peça para te trazer. Quer fazer sessão cinema, copie um bom numero de filmes no seu computador e veja-os ali mesmo. Mas enfim, são experiencias assim que fazem com que conheçamos diferentes possibilidades, mesmo que, ainda que por alguns instantes, a gente tenha um estranho desejo de ser teletransportado para um shopping center e pedir um BigMac.

Um comentário:

Lucy Leite disse...

Nunca vi melhor uso para a expressão "cabra da peste"! Beijos, Juju