sábado, 28 de maio de 2011

Raízes Voadoras

Hoje me deu vontade de falar não de minha vida longe da minha cidade, mas sim da minha cidade, a megalópole de São Paulo. Antes, no entanto, tenho que dizer que o que me inspirou a fazê-lo foi uma cena da cidade que vi esta tarde no filme “Bruna Surfistinha”. Ok, sim, eu vi este filme, um teaser baixado da internet (ops) com alguns problemas de finalização de edição de som e imagem, mas o filme está lá inteirinho. Alias, agora me ocorreu que se algum fã da moça for procura-la no google, corre o risco de cair aqui, um blog que apesar de falar da alta temperatura africana e que até já falou de febre, está longe de ser quente como o blog escrito por ela e que a levou ao mundo literário, televisivo e cinematográfico. Mas enfim, queria ver algum filme recente brasileiro. Este, além do mais, conta com uma breve aparição de um amigo meu fazendo o papel de um usuario dos serviçõs profissionais de Bruna Surfistinha, numa cena meiga em que ele mostra fotos de família para sua prestadora de serviços, portanto não o baixei porque queria ver Debora Secco fazendo Debora Secco papel da garota de programa.

Então, há uma cena no começo do filme em que ela está na janela e o que se vê é uma imensidão de prédios altos, feios, quadrados e sem graça. Esta é uma das paisagens mais comuns para quem mora em São Paulo. Eu morei em onze casas diferentes nesta cidade, em sete bairros distintos e a paisagem, na sua grande maioria, se tratavam de prédios altos, feios, quadrados e sem graça. Ainda que não fossem a única coisa a se ver, eles estavam lá. Até meus quase cinco anos, lembro-me (sim, eu me lembro!) que da casa onde morávamos e que deu lugar a um prédio alto, quadrado e sem graça tinha como vizinho um prédio alto quadrado e sem graça. Depois me mudei para outra casa, na Vila Mariana, de onde na época era ainda possivel contar, desde o fundo do quintal, o número de prédios do gênero que creio, era sete. A construção de um grande prédio na rua chegou a ser a sensação do momento. Hoje, são dezenas de prédios altos, quadrados e sem graça. Ah, sim, isso me faz lembrar que ainda era possível contar estrelas também! Sim, fui criança nos anos 70, época em que era proibido cantar o Hino Nacional em vão, mas podíamos nos arrebentar de tanto brincar na rua.

Fui morar pela primeira vez em apartamento no começo dos 90 e apesar da grande área de laser comum à centena de moradores daquele conjunto de prédios altos, feios, quadrados e sem graça, algo criado para dar a falsa sensação de amplitude daquele minúsculo território, creio ainda que o espaço de uma casa (desde que tenha quintal) tem algo especial. Mas na minha cidade, como a grande maioria das grandes cidades, o item segurança costuma fazer parte do pacote.

Por ter estado nos últimos quase três anos mais tempo fora que na minha cidade, quando volto passo a ve-la com olhos de turista. Andar no centro e parar para ver edifícios de muitas décadas atrás, quando o art-nouveau era a grande tendência, chega-se a lastimar o fato de que hoje as fachadas externas dos prédios raramente, muito raramente mesmo, recebam algum toque um pouco mais artístico. É bonito de se ver os portões destes prédios antigos, os parapeitos, cada detalhe que escapa aos olhos de quem anda apressado pela XV de Novembro, pela Rua do Café e pelos arredores. Ninguém quer ver prédios feios. Não é para menos que um apartamento com vista para o Ibirapuera seja mais valorizado que um com vista para um monte de paredes.

Como papel de parede do meu computador, tenho uma foto de São Paulo. A coloquei depois de 2 meses na selva. Nela, muitos, muitos, muitos e muitos prédios altos, feios, quadrados e sem graça. Aos que a vêem, sempre há um misto de admiração, surpresa, horror à visão desta outra selva.

São Paulo não é uma cidade bonita e muitos cariocas usarão isto contra mim, eu sei. Ainda assim, consigo construir dentro desta cidade meu espaço. Nunca vou me apropriar dela toda e nem pretendo. Limito-me a andar na Avenida Paulista, para onde vou sempre que quero sentir-me de volta, talvez porque foi ali onde dei meus primeiros passos, já que a primeira casa que morei ficava a 200 metros desta avenida, no tempo em que ainda restava um número considerável de casarões (anos 70, lembra?) e em que eu achava que o que hoje é a “Casa das Rosas” era a casa da bruxa, por conta do pequeno balcão que existe sobre o telhado.

São Paulo não tem praia, não tem montanha, tem alguns parques que ficam abarrotados de gente nos fins de semana e sim, eu gosto do Ibirapuera. Tem muitos bairros que possivelmente eu nunca venha a conhecer, a não ser que eu conheça alguém que more neles e que eu vá visitar, caso a preguiça de me locomover para algum ponto distante, a idéia de metrô lotado ou trânsito pesado não me faça mudar de idéia. Ando, como já disse, por toda a região central e por ter vivido grande parte da minha vida no bairro da Vila Mariana, ali me sinto um pouco em casa também.

Já morei no Bixiga, num apartamento velho e enorme que dava vista para os ensaios da Vai-vai, uma experiencia única, sem dúvida, que me fez gostar um pouco mais de carnaval e de onde eu podia chegar rapidamente ao cinema do Shopping Frei Caneca para ver um filme bacana. E cinema sempre foi meu programa preferido, o que me faz lembrar que um amigo colocou muito bem que os bons cinemas estão concentrados em uma única região e que não é, portanto, uma coisa verdadeira de São Paulo isso de dizer que São Paulo é uma cidade conectada ao mundo culto, já que o tal cinema cabeça não está presente na maior parte da cidade, é balela. Bem, neste caso, talvez eu viva em uma ilha paulistana, já começo a constatar.

Outra experiencia autenticamente paulistana foi ter morado quase de frente para o metrô Sumaré. No meu quarto, ouvia o apito do metrô ao fechar as portas. Enfim, tudo isso fez de mim um espírito paulistano, um espírito urbano que sai da toca cada vez que tem a oportunidade. Viver no meio da selva não me tira isso, é como algo que fica dormente e que desperta assim que vê um prédio alto, feio, quadrado e sem graça. E é por isso que este blog tem o nome que tem. Por mais que me mova, as raízes estão lá.

2 comentários:

beto disse...

lindo o texto Julia, me identifiquei totalmente com ele, já que tb estou há 3 anos no interior. Embora, é claro, eu esteja geograficamente mais próximo de Sampa do que vc, essa sensção de ser um turista na própria cidade natal acontece comigo! Vou passar por aqui agora! beijão, Beto

Julia disse...

valeu Beto! Ta em que cidade? beijão